Lennie Dale entrevistado por 'Fatos & Fotos'
Após um longo afastamento dos palcos cariocas, Lennie Dale volta num musical - orçado em 1 milhão e 800 mil cruzeiros - com orteiro e texto escritos de parceria com Marilena Ansaldi. Com previsão para ficar 6 meses em cartaz no Rio, o show já tem proposta para ser transformado em filme e se exibir em São Paulo, Mexico e Paris.
'Sinto que meu trabalho é para ser visto por qualquer um , pois será uma descoberta para quem não me conhece e uma indagação para quem julga saber tudo de mim' - diz Lennie.
Ele fala com a mesma euforia que marca sua dança. Nele, tanto há o menino que desde os 10 anos de idade participava de programas de TV norte-americanos, quanto o Lennie da Broadway de 'The Pajama Game', 'Guys and dolls' e ''West Side Story', e dos tempos de prisão por porte de de 3 cigarros de maconha. Nomes reais não aparecem e nem é preciso: tudo é dito claramente, fotos são mostradas sob muita luz, ninguem tem nada a esconder.
'Eu jogo no palco a realidade de um homem que está vivo apesar de todos os pesares. Apesar do pai que não aceitou seu nascimento, apesar da desagregação familiar, apesar dos preconceitos. Mas, em toda a amargura que salta do meu peito e da minha dança, há o belo, o solidário. A sensação de ter valido a pena. Faço análise há 5 anos e meu analista diz que vivo justificando com boas palavras as dificuldades que passei. Mas não é nada disso. É porque, aos 40 anos, tão velho e ainda tão moço, jamais me recuso a viver, com todo o preço que essa aventura implica. E jamais me recuso a encarar os fatos de frente. Vi e conheci os amantes de minha mãe e nada tenho contra isso, pois a verdade é muito simples para magoar: ela é uma criatura linda e precisava de amor. Meu pai sempre negou o que ela quis. Hoje ele está morto e minha mãe mora nos Estados Unidos. E eu estou aqui. Vivo. Em todos os sentidos. Sem interferir na liberdade alheia e consciente dos meus valores.'
Para Lennie, todas as partes do espetáculo são importantes: suas viagens, sua vida no Brasil, suas metamorfoses. Ele ressalta, inclusive, que o final do show não é algo fechado sobre si mesmo, pois 'Dança das paixões', a última cena, é a mais improvisada. E deseja transmitir que o melhor dos momentos da vida de um homem ainda está por vir, mas só virá com paixão.
'Claro que há trechos que me tocam profundamente, como a cena em que sou preso na Galeria Alaska, no Rio, na véspera do Carnaval e levado para a 13a. Delegacia. Mal voltara do exterior e me trancam num cela por 11 meses. Um tempo que, mentalmente, correspondeu a uma vida. Um tempo decisivo para fazer de mim a pessoa que sou hoje.
Enquanto durou, me deram permissão para dar aulas de dança no Presídio Lemos de Brito. A experiência foi fascinante, pois despertava nos presos muitas emoções adormecidas. Só que o período mais importante para a minha cuca foi quando me transferiram de prisão. Fiquei, durante 3 dias, num cubículo, à espera de me juntar aos outros presos, fazendo os exames de rotina. O espaço era mínimo, realmente, mas a minha cabeça não parava de pensar. Aí, meu Deus, eu vi que nada podia interferir no pensamento do homem, tão poderoso ele era. O homem tinha uma cabeça muito maravilhosa, capaz de criar e recriar o mundo.'
Lennie abandonou o conjunto Dzi Croquetes há 5 anos, numa época em que o grupo, todo formado por brasileiros, decidiu se dissolver. Cada qual tomou o seu rumo. O dançarino optou por viajar pelo mundo, dar aulas de dança e assistir a filmes. Ele não tinha condições, naquele momento, de partir sozinho para um show.
'Eu tinha sido uma espécie de pai de todos do grupo e, de-repente, aquela família desaparecia. Fiquei, durante 2 anos, perambulando. Escrevi, com Fernando Pinto, as peças musicais 'Madame Satã' e 'Orfeu Negro 2001'. A primeira, baseada num livro que Madame Satã me entregou pouco antes de sair da prisão. Tinha, a princípio, 9 horas de duração. Depois reduzi para 90 minutos.
Voltei ao Brasil e fui assistir, em Janeiro de 1978, a um show com Marilena Ansaldi, no Teatro Dulcina. O resultado é que me apaixonei pelo talento e empenho dela. Marilena já havia encenado outros espetáculos, mas assim como eu, tinha permanecido algum tempo fora de cena, fechada p'ra balanço. Quando a vi, achei que talvez fosse a minha hora de voltar. Depois que a peça terminou, fui falar com ela e tive uma crise de choro. Ela disse que me conhecia há anos, que era fascinada pelo meu trabalho e que era hora de eu me mexer. Resultado: no dia seguinte, me catou em plena praia, vestida à la paulistana, dizendo que havia escrito um roteiro de show para mim. Quando o li, achei que poderia, neste espetáculo, pôr para fora tudo que havia dentro de mim: muita mágoa, muita saudade do Brasil.'
Para Lennie, todas as partes do espetáculo são importantes: suas viagens, sua vida no Brasil, suas metamorfoses. Ele ressalta, inclusive, que o final do show não é algo fechado sobre si mesmo, pois 'Dança das paixões', a última cena, é a mais improvisada. E deseja transmitir que o melhor dos momentos da vida de um homem ainda está por vir, mas só virá com paixão.
'Claro que há trechos que me tocam profundamente, como a cena em que sou preso na Galeria Alaska, no Rio, na véspera do Carnaval e levado para a 13a. Delegacia. Mal voltara do exterior e me trancam num cela por 11 meses. Um tempo que, mentalmente, correspondeu a uma vida. Um tempo decisivo para fazer de mim a pessoa que sou hoje.
Enquanto durou, me deram permissão para dar aulas de dança no Presídio Lemos de Brito. A experiência foi fascinante, pois despertava nos presos muitas emoções adormecidas. Só que o período mais importante para a minha cuca foi quando me transferiram de prisão. Fiquei, durante 3 dias, num cubículo, à espera de me juntar aos outros presos, fazendo os exames de rotina. O espaço era mínimo, realmente, mas a minha cabeça não parava de pensar. Aí, meu Deus, eu vi que nada podia interferir no pensamento do homem, tão poderoso ele era. O homem tinha uma cabeça muito maravilhosa, capaz de criar e recriar o mundo.'
Lennie abandonou o conjunto Dzi Croquetes há 5 anos, numa época em que o grupo, todo formado por brasileiros, decidiu se dissolver. Cada qual tomou o seu rumo. O dançarino optou por viajar pelo mundo, dar aulas de dança e assistir a filmes. Ele não tinha condições, naquele momento, de partir sozinho para um show.
'Eu tinha sido uma espécie de pai de todos do grupo e, de-repente, aquela família desaparecia. Fiquei, durante 2 anos, perambulando. Escrevi, com Fernando Pinto, as peças musicais 'Madame Satã' e 'Orfeu Negro 2001'. A primeira, baseada num livro que Madame Satã me entregou pouco antes de sair da prisão. Tinha, a princípio, 9 horas de duração. Depois reduzi para 90 minutos.
Voltei ao Brasil e fui assistir, em Janeiro de 1978, a um show com Marilena Ansaldi, no Teatro Dulcina. O resultado é que me apaixonei pelo talento e empenho dela. Marilena já havia encenado outros espetáculos, mas assim como eu, tinha permanecido algum tempo fora de cena, fechada p'ra balanço. Quando a vi, achei que talvez fosse a minha hora de voltar. Depois que a peça terminou, fui falar com ela e tive uma crise de choro. Ela disse que me conhecia há anos, que era fascinada pelo meu trabalho e que era hora de eu me mexer. Resultado: no dia seguinte, me catou em plena praia, vestida à la paulistana, dizendo que havia escrito um roteiro de show para mim. Quando o li, achei que poderia, neste espetáculo, pôr para fora tudo que havia dentro de mim: muita mágoa, muita saudade do Brasil.'
Lennie Dale voltando aos palcos em 1978, depois de 5 anos de ter deixado Dzi Croquetes.
Com a consagração de Elis Regina, Lennie tinha participação quase que semanal no programa 'O Fino da Bossa', da TV Record, além de já ter gravado alguns LPs para o selo Elenco, de Aloysio de Oliveira.
No início dos anos 70 formou o grupo 'Dzi Croquetes', que fez muito sucesso com seu espetáculo de androginia masculina. O grupo foi muito combatido pelo regime militar que assolava o País, excursionou pelo exterior e finalmente terminou.
Lennie, então passou por um período de não atividade publica durante 5 anos.
Roteiro e texto foram se modificando à medida em que eram feitos os ensaios, ao longo de 3 meses. Para Lennie, algumas idéias se desenvolveram melhor, mas a essência é a mesma de quando a peça foi bolada.
'Com os dias se passando, eu já não parecia mais aquele. Tinha a impressão de ter voltado aos 10 anos, de estar na barriga da minha mãe, de sentir fisicamente todas as questões debatidas no meu processo de análise. Por isso, a cada dia me sinto mais leve.'
Agora, Lennie Dale se sente pronto para começar tudo de novo, 'pois descobri em mim uma energia capaz de refazer as coisas'. Acha que o espetáculo 'pintou na hora certa, pois só faço as coias quando são inteiras'. Acredita que o homem 'tem que amar o que faz e encontrar tempo para dividir-se entre tudo e todos'. Para ele não existe apenas a realização profissional.
'Olha, ao Brasil eu devo alguns dos meus momentos de crescimento interior, o carinho pela música popular brasileira, grandes amigos. E, à dança, eu devo o Lennie que sou hoje, um ser muito masculino e muito feminino, um misto de sensações, que, se não é o único caminho válido, pelo menos é a única verdade que conheço. Enfim, hoje sou um Lennie não tão diferente do que eu tinha de ser um dia: um cara que descobre sempre que não pode viver sem paixão. Que mais importante do que ser apresentado a pessoas, é reconhecê-las no dia seguinte e descobrir como são. E perceber que, se um sujeito saiu de seu cantinho só p'ra dizer que gosta de mim, ele já deu tudo que podia me dar. Sabe o que acho mesmo, amor? Que é duro demais tudo isso que a gente vê, ouve e sente. Mas sempre vai valer a pena.'
reportagem: Sheila Dunaevits
fotos: Adir Mera
Fatos & Fotos de 5 Junho 1978.
Fatos & Fotos de 5 Junho 1978.
Pequena biografia
Lennie Dale cujo nome verdadeiro era Leonardo La Ponzina, nasceu em New
York em 1934. Chegou ao Brasil em 1960, trazido por Carlos Machado, empresário teatral, para fazer a coreografia da peça musical ‘Ôba, ôba'.
Lennie chegou ao Rio justamente quando a Bossa
Nova estava no auge. Dirigiu varios shows apresentados no famoso Beco das Garrafas, tendo sido um dos mentores da iniciante Elis Regina.
Com a consagração de Elis Regina, Lennie tinha participação quase que semanal no programa 'O Fino da Bossa', da TV Record, além de já ter gravado alguns LPs para o selo Elenco, de Aloysio de Oliveira.
No início dos anos 70 formou o grupo 'Dzi Croquetes', que fez muito sucesso com seu espetáculo de androginia masculina. O grupo foi muito combatido pelo regime militar que assolava o País, excursionou pelo exterior e finalmente terminou.
Lennie, então passou por um período de não atividade publica durante 5 anos.
Voltou as atividades artísticas em 1978 com o espetáculo ‘1707.839 Leonardo La Ponzina’ - o numero de seu Modelo 19 – carteira de identidade de estrangeiros. Desse show ficou um
clip de Dale dançando ‘It’s ecstasy when you lay down next to me’, um
disco-funk de Barry White lançado em 1977.
Lennie morreu em 9 Agosto 1994, um pouco antes do surgimento dos cocktails anti-virais que salvou a vida de muita gente portadora do HIV.
Lennie Dale's most famous image: his 1st album-cover for legendary label Elenco.
Lennie Dale and Elis Regina, his most famous pupil.
No comments:
Post a Comment