Saturday, 7 January 2017

Turma do Pateo do Collegio - its origins up to 2005


Turma do Pateo circa 2005; clockwise from left: Vicentinho Covello, Alberto Augusto Martins aka Seu Nenê, Perola Plata, Ademar, Luiz Amorim aka Carlus Maximus, Hugo Giovanelli, Alfredo Afif Esper, Sirlei Jardim & Hormindo Retamero.

As we have seen earlier, there is a group of mostly old people who congragate around Pateo do Collegio - in downtown São Paulo - every Tuesday from 2:00 PM to 5:00 PM to talk about 'them good old times' when Francisco Alves was King and Orlando Silva was Prince; when Carmen Miranda - the top Brazilian female singer - left everything behind and went away to the U.S.A. to make herself a name recognized the whole world. A time when Dalva de Oliveira gladly took Carmen's place and became the greatest female singer Brazil had ever had. 

These meetings started circa 1979 when old record collectors Roberto Gambardella, Antonio Petti, a former radio DJ and a few others decided to exhibit their surplus 78 rpm and vinyl albums on the footpath of Rua General Carneiro, a very busy street that connects the old Sao Paulo downtown area with Dom Pedro II Park where people rush to get into buses that take them to the Eastern, Southern and Northern suburbs.

Some people would stop to browse, ask prices or simply talk about those 30s and 40s celebrities. Three years later, in 1982, a Jesuit friar who managed the Company of Jesus compound at Pateo do Collegio, invited the record collectors to do their business inside the protected square where they could be in a much more comfortable position and less exposed to city griminess, disorder & roughness. They gladly accepted the friar's invitation and gathered every Tuesday from 2:00 pm to 5:00 pm. And they've been doing it ever since until today (January 2017).  

Sao Paulo evening newspaper 'Folha da Tarde' was the first vehicle to write about these people on 8 August 1984. Here's what journalist Miguel de Almeida wrote about his visit to Pateo do Collegio:

Troca-troca em várias rotações - Colecionadores se reúnem às terças no Pateo do Collegio para trocar raridades

Uma pequena discussão se estabelece entre dois aficcionados colecionadores de discos antigos:

- A gente tá aqui por não ter o que fazer - diz, sotaque italiano.
- O que? Nós estamos é salvando a memória nacional - proclama outro, recebendo o apoio dos presentes.

É a feira de discos antigos e raros, que há 2 anos (1982), todas as terças-feiras das 13:30 às 17:00 horas, acontece nos jardins do Pateo do Collegio. Ali, dezenas de colecionadores trocam, ou vendem discos raros (nacionais e estrangeiros), partituras musicais, periódicos - Revista do Radio, Carioca e outras - e objetos ligados à musica, como um gramofone, uma vitrola a corda etc.

Não existe nenhuma formalidade, apenas uma coisa é pedida: amor à musica. Os discos ficam estendidos pelo chão e uma primeira olhadela mostra a variedade das coleções. Três Carusos de épocas diferentes, estão ao lado de vários Mario Lanza; entre eles, uma raridade de 1902: Geraldine Farrar ('soprano com orquestra, em francês', informa o selo) em disco gravado num único lado, como era costume no início da industria fonográfica.

Mais adiante, alguns brasileiros, todos da chamada Velha Guarda: Orlando Silva, Francisco Alves, canções de Herivelto Martins executadas pela orquestra de Waldir Calmon, sambas de Noël Rosa na voz de Aracy de Almeida e uma infinidade de nomes.

'A feira começou reunindo apenas uns 5 colecionadores - e foi sem-querer', diz Roberto Gambardella, que cuida da Casa Lomuto, considerada o melhor 'sebo' da cidade na categoria de discos de 78 rpm. Ele e alguns amigos, nas tardes de segunda-feira, espalhavam seus discos numa calçada da rua General Carneiro - a rua que liga a região da Sé ao Parque Dom Pedro II - e ali trocavam informações e raridades.

Em 1979, a Companhia de Jesus reformou suas propriedades no Pateo do Collegio - Museu Padre Anchieta, Auditorio Manoel da Nobrega, Galeria Tenerife e cercou a Praça Ilhas Canárias com grades de ferro, isolando-a em um complexo de tranquilidade, longe do burburinho selvagem do centro da cidade. À entrada da nova praça, construiu-se um moderno café, onde o aroma de capuccinos permeia o ar constantemente.

Em 1982, três anos após essas reformas, o frei Jesuíta que administra o local, vendo a precariedade da Feira de Discos Antigos & Raros na calçada da Gal. Carneiro, fez o convite aos colecionadores: Por que vocês não vem para dentro da Praça Ilhas Canárias? Todos gostaram da ideia, e mudaram o dia da reunião para terça-feira, pois a segunda era dia-de-folga do pessoal do Café do Pateo.

E assim iniciou-se a nova fase de reuniões do Pessoal do Pateo do Collegio, que aos poucos foi deixando a prática de exporem seus 78 rpm no chão e dedicarem-se apenas à arte da conversação e troca-trocas mais íntimos, onde o produto era mostrado individualmente.

Do início da Feira sobraram apenas 2 fundadores: Gambardella e Antonio Petti, radialista que manteve o programa 'Brasil da Velha Guarda' na Radio Tupi por muitos anos.

Entre os colecionadores, corre pouco dinheiro. Eles preferem as trocas: esse por aquele. Os colecionadores são capazes de intricadas peripécias para satisfazerem suas fixações. Alberto Guimarães - aposentado como vendedor de brinquedos - procura 'com uma vela acesa' a gravação de 'Triste carnaval', com o instrumentista Canhoto. 'O diabo é que eu tinha esse disco, mas quebrou!' Frequentemente ia visitar certo amigo e levava junto a raridade. Um dia, o acetato não resistiu aos apertos do transporte público e partiu-se - para enorme dor de seu dono. Guimarães, incansável, garante que ainda conseguirá a gravação.

Roberto Gambardella também fez muitas loucuras na sua vida de colecionador. Não era raro ele ter um 'estalo', sábado à noite, e tomar um ônibus em direção ao Rio de Janeiro, atrás de algum disco. Ou sob o efeito do mesmo impulso, rumar a Belo Horizonte. Distancia maior percorreu Alberto Guimarães que foi à Buenos Aires atrás de raridades de Carlos Gardel. 'Os argentinos vêm aqui. Eu fui lá e consegui'. Na bagagem trouxe 68 discos de Gardel e acabou tendo problemas na alfândega brasileira. Acharam que ele estava importando discos (comercialmente) e ele dizia: 'Não tá vendo? São discos antigos!' Acabou vencendo a música.

Atrás da gravação de 'Km 2', uma das primeiras gravações de Orlando Silva, Alberto Martins, o popular 'Nenê', foi parar na casa de uma senhora, ali perto do Jardim da Luz. Encontrou não apenas o 'Km 2' em 78 rpm, como comprou mais de 333 discos - todos antigos e raros.

Entre os colecionadores não existe qualquer unanimidade. Qual o maior cantor brasileiro de todos os tempos? 
À essa pergunta, duas correntes, atuantes e barulhentas, respondem: Orlando Silva e Francisco Alves

Gambardella, embora reconheça o mérito de Orlando Silva, tem em Gastão Formenti seu cantor preferido. Mario Reis também possui um bom fã-clube. E as cantoras? Para quase todos eles, Carmen Miranda, não pela voz, mas pela bossa e graça. E Odete Amaral e Dircinha Baptista pela voz. É tudo gente de bom gosto.

texto de Miguel de Almeida (ligeiramente alterado por Carlus Maximus)
publicado no jornal 'Folha da Tarde' de 8 Agosto 1984.

Antonio Petti at Pateo do Collegio in 1984.

On 16 September 1984, only 5 weeks after 'Folha da Tarde' first mentioned the Pateo-do-Collegio-crowd in its pages, a Sunday newspaper called 'City News' aka 'Shopping News' sent Matias Jose Ribeiro to check out what was going on with those old men and their marvelous 78 rpm record collection. As much of the 'City News' article is repetition of what had been printed earlier by 'Folha da Tarde', we chose excerpts of it in our transcription:

Nas terças-feiras, o ritual dos protetores dos 78 rotações 

A 'verdadeira', a 'autêntica' musica popular brasileira não morreu. E não morrerá nunca, se depender de um pequeno grupo de amigos que todas as terças-feiras se reúne na praça existente atrás da Igreja do Pateo do Collegio. Não são mais do que 30 ou 40, praticamente todos aposentados, idade em torno dos 60, e têm em comum uma intensa paixão pela musica brasileira da antiga, cultivada desde há muitas décadas e alimentada por coleções de milhares de discos de 78 rotações-por-minuto.

O encontro semanal, que nasceu espontaneamente e acontece desde 1981, acabou sendo batizado, não se sabe ao certo por quem, como Feira de Discos Raros. O nome não chega a ser injustificado. Colecionadores e quaisquer interessados em gravações antigas, principalmente os registrados em cera shellac (goma laca) e girando a 78 rotações por minuto, como 'Yes, nót temos banana' com Almirante, têm livre acesso à praça. Apesar da raridade, são muito poucos os discos que têm preço além dos Cr$ 5 mil, a maior parte dos que estão à venda custam entre Cr$ 1 mil e Cr$ 2 mil.

Senhor Enciclopédia 

Os amigos se referem à Roberto Gambardella como 'verdadeira enciclopédia da musica brasileira' e tornou-se  o objetivo secreto de todos terem, pelo menos, parte do conhecimento minucioso dele. Gambardella diz que tudo é reflexo de uma paixão que começou aos 14 anos, quando começou a ouvir radio e comprar discos. O número um, ele diz, sem pestanejar, foi 'Candieiro', de Kid Pepe e David Nasser, com Carmen Miranda. Ele é capaz de acrescentar a data de gravação, o selo, o arranjador, o número do catálogo, o título do lado B etc. Considerado imbatível quando o assunto é música brasileira, o 'Sr. Enciclopédia' observa modestamente, que só cobre com precisão o período que vai do início do século XX ao término da II Guerra. Até 1945, mais ou menos; 'depois começou a decadência...'

Alberto Augusto Martins, conhecido apenas por Nenê, iniciou sua coleção de discos em 1947. Nenê é dos que não fazem questão nenhuma de vender, prefere trocar. Na ultima 3a. feira, por exemplo, acabara de trocar um Orlando Silva dos anos 1950s - 'Marcha do Vira' e 'Cirandinha' - por uma gravação de Carlos Galhardo cantando em italiano - 'Cara piccina' e 'Mari'.

Toninho Fernando, conhecido também como Toninho Passarinheiro, se auto-entitula 'fã numero 1 de Orlando Silva'. Tem todos seus LPs - total de 34, incluídas as reedições e montagens - 'e uns 170 dos aproximadamente 200 discos 78 rpm gravado pelo Cantor das Multidões. Toninho tem, inclusive, uma preciosidade que não vende por dinheiro nenhum: Orlando Silva cantando 'Chopp da Brahma', gravação de 1935 do primeiro jingle publicitário feito no Brasil.

Dominada pelos senhores da Velha Guarda, a Feira tem atraído também pessoas mais jovens, como Ricardo Kondrat, nascido em 1963, com 21 anos, desde 1978 - há 6 anos - vidrado em Carmen Miranda. Kondrat está colaborando na exposição que o sr. Hugo Giovanelli, fã ardente da Pequena Notável desde os anos 1940s, está preparando para 1985, em comemoração ao 30o. aniversário de sua morte.

Ariovaldo Aily, 34 anos, frequentemente vem de Rio Claro-SP para encontrar na Feira novos 78 rpms para sua coleção iniciada em 1979 e que já possui 3.200 exemplares. Sem saber explicar bem de onde surgiu essa preferencia, ele observa que os 78 rpms estão desaparecendo, 'o pessoal está jogando no lixo'. E completa: 'acho que esta é a última década para quem quer comprar discos 78 rotações'.

texto de Matias José Ribeiro (editado por Carlus Maximus para evitar repetições)
publicado no jornal 'City News' aka 'Shopping News' de 16 Setembro 1984.

record collectors Padua Reis & Toninho Fernando aka Toninho Passarinheiro, an Orlandista.
in the beginning they displayed records & gadgets on the floor for those who might like to buy; gradually the meeting turned mostlty into a talk-shop
On 3rd October 1984, just 2 weeks after the 'City News' article about the Pateo-do-Collegio-crowd - 'Jornal da Tarde' - the other evening Sao Paulo newspaper - also went along for the ride and sent their journalist Edmar Pereira to pay the Pateo a visit to talk to those collectors who could not help but feel important after being thoroughly interviewed by so many journalists. 'Jornal da Tarde' article is the most extensive of all.

Uma ilha que vive a paz, a amizade. Tudo em 78 rotações. Um lugar em que o tempo parou. Lá, os mais velhos falam de Chico Alves, Carmen Miranda... e trocam recordações.

No velho centro da cidade, entre agitação, correria, multidão, mau-cheiro e pobreza, o Pateo do Collegio não permanece apenas como monumento histórico, testemunha de séculos da vida de São Paulo. É também uma inesperada ilha de tranquilidade, rodeado por grade-de-ferro, com portões abertos até às 5 da tarde; bancos de ferro-forjado ladeando mesas de cimento armado, árvores ainda jovem, uma grande cruz marcando a missa celebrada pelo papa João Paulo II em 1980. Office-boys descansam, um velho dorme de boca aberta e escriturários comem seus sanduíches antes de voltar à labuta. A tarde vai passando com a brisa, com a vida...

Cabelos brancos, calvos; uma conversa que não se interrompe, onde se ouve com freqüência nomes como Francisco Alves, Orlando Silva, Carmen e Aurora Miranda, Gastão Formenti, Mario Reis, Paraguassú, Castro Barbosa, Carlos Galhardo. Pelo chão, pelos bancos, algumas pilhas de discos, capas amareladas, todos em 78 rotações por minuto. Passam de mão em mão, comentados sempre carinhosamente. Neste pedaço do Pateo, o tempo parou bem antes dos acordes dissonantes da bossa-nova obrigassem os tímpanos a novos exercícios de sensibilidade. Todas as terças-feiras, das 13 às 17 horas, esses apaixonados pelo passado musical brasileiro se reúnem para trocar, vender, comentar, para se sentirem vivos. Homens aposentados entre os 60 e 70 anos. Entre eles, Alberto Augusto Martins, o 'seu' Nenê, dono de 11 mil discos colecionados desde 1947, que se aposentou em 1978 depois de haver passado 37 anos no balcão da pizzaria que montara com seus irmãos.

'Seu' Nenê vai todas as terças ao Pateo do Collegio, assim como Francisco Martins, que é surdo, o primeiro a comercializar discos de 78 rpm em São Paulo; ou como Antonio Petti, ex-radialista que já exaltou muito a Velha Guarda em seus programas na Radio Cometa, com seus estúdios ali na Rua Venceslau Brás; como o grandalhão Roberto Gambardella, gerente da Casa Lomuto, que fica no 6o. andar do número 5 do Pateo do Collegio - nome em homenagem ao regente de orquestra argentino Francisco Lamuto, do qual o proprietário é fã ardoroso; como Alberto Guimarães, um admirador extremado de Carlos Gardel; como o emocionado e loquaz Antonio de Pádua Reis, advogado e também ex-radialista; como o comerciante José Pereira - 'Eu passo aqui p'ra relembrar, p'ra conversar, porque continuo trabalhando, não sou aposentado'; como Roberto Braga - parece o mais antigo de todos, tendo nascido em 1911.

Trocam cartões, marcam visitas, celebram seus ídolos. 'Seu' Nenê tem um orgulho e merece a inveja de todos: 'Sou o único aqui que tem uma gravação de 'Pé de anjo', em acetato. No outro lado tem 'Fala, meu louro'. Explica-se: 'Pé de anjo', a primeira gravação de Francisco Alves, o cantor dos cantores, é o mais procurado disco entre esses colecionadores. 'Se eu pedir Cr$ 50 mil pagam na hora, mas tem não vende. Conheço um rapaz que tem dois e não aceita vender nenhum', garante 'seu' Nenê. O melhor cantor? 'Olha, nem dá para disfarçar, o Chico foi o maior. Orlando Silva foi o mais popular, o que provocou mais paixões e multidões. Depois deles, em segundo vêm Gastão Formenti, Carlos Galhardo, Augusto Calheiros, a Patativa do Nordeste. E tinha a Carmen e a Aurora Miranda também. Sabe que a Aurora gravou musicas mais bonitas do que a Carmen?'

'Seu' Nenê está alegre com o dia: 'Agora mesmo peguei um disco de Arnaldo Pescuma, cantor dos bons tempos da Radio Tupi, 'Mulatinha da caserna' é uma marchinha linda e rara que eu não tinha'. Conta como oscila esse mercado, todo baseado nas ações da paixão e do sentimentalismo: um disco raro comum vai até Cr$ 20 mil, quando é gravação original; senão o preço vai baixando para 10, para 8, para 5 mil. Na sua captura de raridades do dia, 'seu' Nenê exibe ainda um Chico Alves com 'Eu vou chorar' e 'Aí eu queria', um Castro Barbosa com 'Quem dera' e, mais raro, a 'Canção dos aventureiros', da opera 'Il Guarany', gravada por Silvio Vieira. 'Por favor, não vá colocar que isto aqui é feira ou comercio. Ninguém está aqui por causa do lucro, mas pela paixão e pelas amizades'.

Mas negócios podem acabar saindo. O alto Gambardella, por exemplo, especializou-se em fazer levantamentos musicais. Ele é capaz de preparar um histórico completo das gravações de cada ídolo antigo. E também de, através de sua loja, a Casa Lomuto, fazer chegar ao colecionador obras raras autênticas ou então suas cópias em fita cassette. 'Comecei a mexer com discos aos 14 anos. Fiquei apaixonado por musica ainda moleque, quando meu pai comprou um radio de segunda mão. Ai tinha Nhô Totico, Alvarenga & Ranchinho...' Um cliente passa e lhe pede 'Saudades do Brasil', com Francisco Alves. A resposta vem com muita informação: 'Não tem, não. O Chico nunca gravou essa musica. Ele gravou foi 'Paisagens do Brasil' (1934), de Lamartine Babo, tocada no filme 'Macunaíma' (1969), na cena da canoa'.

Alberto Guimarães, o fã de Carlos Gardel, de quem chegou a possuir mais de 400 discos, organiza uma caravana para viajar à Argentina em 1985 - cinquentenário da morte do grande ídolo do tango. Gosta de Bing Crosby e de Maurice Chevalier. E de Gastão Formenti, espécie de unanimidade entre esses apaixonados. Embora Chico Alves seja primeira lembrança, Formenti é o mais admirado. 'Coloque ai que Formenti é um caso à parte', recomenda Luiz Guirado, outro colecionador, embora o seu grande ídolo seja o paulista Paraguassu.

'Gosto do Gastão Formenti porque foi sóbrio, dono de uma linda voz, de interpretação impecável. Conservou exatamente a mesma voz desde sua primeira gravação, em 1928 até a ultima, em 1940', diz o ex-radialista Pádua Reis, identificado pelos amigos como o 'busto de Orlando Silva que está em Santana'. Não parece incomodado pela confusão e faz um pronunciamento: 'Não estamos aqui defendendo fanaticamente o passado. Nós gostamos da boa musica brasileira, que acontece ser a antiga, pois que a moderna está abastardada'. E fala de sua admiração por Stefana de Macedo, no 'folk-lorico' (assim mesmo, separando as sílabas), e por Aurora Miranda. 'Aurora não tinha a exuberância da irmã Carmen, era mais recatada. Mas que voz bonita! Me lembro agora de 'Molha o pano', do Carnaval de 1936, que beleza, que amorzinho! Ah, para, não me deixa chorar, irmãozinho!'

Nenhuma grande discussão sobre política - eles são conservadores, mas evitam a pecha de malufistas; nenhuma grande discussão sobre futebol, embora o Corinthians mereça a maioria das preferências. 'Aqui nós nunca brigamos por política ou futebol. Briga, só teria aqui, com facadas e tiros, se alguém aparecesse com o 'Pé de anjo', com 'Não vá embora', a primeira gravação de Carmen Miranda em 1929, e resolvesse fazer um leilão'.

texto de Edmar Pereira (ligeiramente alterado por Carlus Maximus)
publicado no 'Jornal da Tarde' de 3 Outubro 1984.


After the initial barrage of newspaper articles about the Pateo-do-Collegio-crowd in 1984, it seemed like the novelty had worn off and they were sort of forgotten by the Press. Then, suddenly, 17 years later, daily 'O Estado de S.Paulo' published this article - written by Marisa Folgato - on their Sunday edition, 25 March 2001.

The headline read: Music lovers exchange LPs downtown! (Amantes da música trocam LPs no centro) which was a big step away from 17 years before when 78 rpm records were King! The times were really a-changing... even for those in the Crowd who were adamant against any change at all... Alberto Augusto Martins aka Nenê was the only person mentioned in the 1984 articles who was still active in 2001.

Amantes da música trocam LPs no centro 

Grupo reúne-se sempre às terças-feiras, a partir das 14 horas, no Pateo do Collegio 

O rei da memória não deixa escapar nem um detalhe, enquanto o rei da piada solta mais uma gracinha e o mestre do tango, sua voz aveludada. Mas a cena fica paralisada, assim que a musa, toda alinhada, aparece. É dessa maneira que os 'meninos' se tratam numa adorável brincadeira que se repete a cada terça-feira, a partir das 14 horas, no jardim do Pateo do Collegio, no centro de São Paulo. É ali que se reúne um grupo de homens e uma só mulher, com mais de 65 anos, para falar de sua paixão, a música.

Trocam experiências, impressões, gravações. Não de uma época qualquer. Para eles, fanáticos pelos discos 78 rpm (rotações-por-minuto), só valem sucessos das décadas de 30, 40 e 50. 'Francisco Alves, Orlando Silva e Sylvio Caldas foram os melhores', diz Alfredo Afif Esper, de 73 anos, morador da Vila Prudente, que há 10 anos frequenta o Pateo do Collegio.

Alfaiate de primeira, já aposentado, ele também é um bom conhecedor de música argentina e apelidado pelos demais de 'rei da memória', pois tem sempre na ponta da língua datas de lançamentos de filmes, músicas, eventos esportivos e até acontecimentos políticos nacionais e internacionais. 'Acho que herdei de minha mãe esse dom', garante Esper. 'Fiz várias viagens a Buenos Aires e adoro tango também', diz ele fã de Carlos Gardel e Libertad Lamarque.

Mas é Hormindo Retamero, de 78 anos, o maior apreciador de tango argentino. 'Só coleciono as musicas de Carlos Gardel. Tenho 500 gravações', garante Retamero, ajeitando a almofadinha de veludo mostarda que trouxe numa sacola. Ele também foi cantor de tango no tempo em que os salões de baile Lilás, Associação Auxiliadora das Classes Laboriosas e Vila Sophia eram famosos na cidade. 'Tive minha vida de boemia, mas sem esculhambação. Até gravei um 78 rpm nos anos 1950s e um LP nos anos 1960s', diz.

'Fiquei um ano na Argentina. Fui com meu irmão e sua mulher em 1947, mas não consegui me aproximar do pessoal de tango. Cantei muito no Parque Palermo de Buenos Aires, mas só como amador. Encontrei esse grupo de memorialistas por puro acaso. Estava num ônibus, o motorista não quis abrir a porta no ponto requirido, e me largou aqui no Pateo do Collegio. Assim, "cai na vida", descobri meus amigos', afirma Retamero.

Um dos maiores colecionadores do grupo é Alberto Augusto Martins, o Nenê. 'Tenho 37 anos. Se fosse de cadeia, já estaria livre', diz, emendando um '73 anos', que os cabelos brancos e os óculos de aros pretos parecem descrever melhor. É apenas a primeira das brincadeiras do 'rei da piada', como os amigos o chamam. São 25 mil discos de 78 rpm, além de 2 mil LPs na sua coleção, iniciada em 1947. 'Vivo emprestando para os outros gravarem', diz Nenê.

Entre eles, 500 são de Francisco Alves, 'sem repetição', um do violonista Américo Jacobino, gravado de um lado só, e a primeira musica de Dyrcinha Baptista, 'Borboleta azul', quando ela era ainda Dyrcinha Oliveira, aos 8 anos. Há 23 anos encontro com o grupo.'

O mais idoso, Manoel Nascimento, de 85 anos - 'pode falar 86, pois vou fazer aniversário em 3 de maio' - ainda vende revistas e discos raros em frente da Biblioteca Mario de Andrade. Os dedos amarelados pelas dezenas de anos de cigarros. 'Ainda fumo uns 15 por dia, mas deixei de engolir (inalar) a fumaça. Sabe como é a solidão, né?', diz. 'Mas toda terça-feira venho do Belém até o Pateo do Collegio para ver os amigos'. Faz 15 anos. 'Tenho 400 LPs e 78 rpm na coleção, só. Nunca tive CD. Se tivesse o aparelho, podia ser que gostasse'.

'Estava ansioso na teça-feira, pois ia ganhar um disco de Libertad Lamarque. Um amigo prometeu. E cumpriu'. 'Tenho um disco de charleston da década de 20 ou 30. E não consegui vender', diz Nascimento. 'Também, vou contar. Quem vai gostar de charleston?', emenda Retamero. 'Mas precisa ver que orquestra", retruca o outro. E a discussão segue assim. Divergências, ensinamentos. Uma conversa nada fiada. Só há uma unanimidade: a musa. Todos dizem que ela é a melhor da festa. E é mesmo.

Cabelos avermelhados, impecavelmente domados por presilhas, sobrancelhas e olhos delineados por lápis, batom encarnado; sapatos marrons combinando com a saia, colete vermelho, ela arrebata a atenção de todos logo na chegada. Até o nome é de musa: Pérola Plata. 'Só sou musa porque sou a única mulher nesse Clube do Bolinha', garante Pérola, toda sorriso, a pele preservada da ação do tempo. Tem 66 anos mas parece muito menos.

Advogada aposentada, ela tem uma discoteca eclética de 4 mil exemplares. 'Principalmente tango e bolero. Mas gosto muito de fado também', afirma, o sotaque carioca ainda presente, após 8 anos em São Paulo (mudou-se para cá em 1993). Apesar de muito bem casada, Pérola não teve filhos. 'Criança esbarra em tudo que eu gosto: ler ouvir música, viajar, dançar.'

Por causa da paixão pelos discos acabou descobrindo outra habilidade: restaurar capas de discos. 'Quando está encardido, passo algodão com alvejante diluído em água e seco com secador-de-cabelos rapidamente. Fica muito bom', diz, apresentando um impecável disco de Dinah Shore, 'Songs for sometime losers' lançado em 1967. 'Primeiro experimentei num que ia jogar fora, claro.' Quando não tem conserto, ela faz capas novas.

Foi Paulo Iabutti - filho do primeiro casal de japonês com brasileira na cidade de São Paulo - que apresentou Pérola ao grupo. 'Nesses encontros a gente tropeça em raridades. Se não tem o disco, a gente copia dos amigos', afirma Iabutti, um solteirão de 75 anos, que se formou em engenharia por correspondência, pela International Correspondence School, da Pennsylvania, U.S.A.

Tem milhares de discos de 78 rpm, da Velha Guarda, MPB e da musica popular norte-americana - a chamada safra das Big Bands, populares entre 1935 e 1945. 'Também falamos de cinema e de fotografia, minha outra paixão.' É na casa do Paulo, uma vez por ano, que todos se reúnem para uma tarde de perguntas e respostas chamadas de Passatempo Musical, onde os amigos competem entre si para ver quem sabe mais sobre os vários tópicos musicais ou cinematográficos.

Todas as terças-feiras, segundo Iabutti, após as 17 horas, quando as atividades no Pateo do Collegio se encerram, os animados 'meninos' dão uma passada pelo 'sebo' do Roberto Gambardella, ex-integrante do grupo, que é gerente da Casa Lomuto, ali perto, e depois partem para a Vila Mariana, para comer pizza.

A entrevista termina com um beijo na mão dado pelo 'rei da memória', um trecho de Gardel cantado pelo 'mestre do tango' e umas rosquinhas doces trazidas de Santana pelo 'rei da piada', numa tarde chuvosa, muito paulistana.

texto de Marisa Folgato
publicado no jornal 'O Estado de São Paulo', de 25 Março 2001.

Paulo Iabutti and Perola Plata in the foreground plus (anti-clockwise) Estevão, Hormindo Retamero, Nenê (Alberto Augusto Martins), Vicente Covello (Vicentinho), Alfredo Esper and Manoel Nascimento.
daily 'O Estado de S.Paulo' - 25 March 2001. 

Tarde de 3a.-feira no Pateo de Collégio, Maio 2005, em testemunho escrito de Neuza Guerreiro

São quase 14:00 horas. Venho das entranhas da terra, da maior estação do metrô paulistano e passo por uma Praça da Sé apinhada, desviando de 'meninas-sanduíche' anunciando compra e venda de ouro, banquinhas de vendas de passes-de-ônibus ou metrô e cartões telefônicos, lupas 'especiais para ler a Bíblia', ambulantes vendendo balas, chocolates, revistas e mil outras miudezas. Já estou chegando ao Páteo do Collégio com seu vasto espaço em torno do monumento 'Glória Imortal aos Fundadores de São Paulo', que chama o nosso olhar para cima e não temos como deixar de ver também a torre do Banespa, um ponto alto da cidade, de onde é possível ter uma visão de 306 graus da megalópolis. 

Entro pelo Museu de Anchieta, contíguo à Igreja do Páteo, passo pelo simpático café que situa-se no páteo interno que abriga um restaurante e todo um espaço verde com chafariz, árvores que são habitações de pássaros, arbustos de café, pés de jabotica ainda jovem, arbustos e bancos convidativos a uma reflexão relaxante. 

Ali se reune todas as terças-feiras a partir das 14:00 horas, um grupo de pessoas de certa idade para trocarem informação sobre música, discos, filmes e atividades culturais em geral. É um grupo sem nome oficial, sem estatutos, sem regras e conhecido entre eles como Colecionadores de Discos Antigos. O grupo inicial, circa 1970, teve Roberto Gambardella, Roberto Braga, o Braguinha, Alberto Guimarães, Maestro Santângelo, Wanderley, Edmundo, Figueiredo, Antonio Petti, Lomuto, Gouveia entre outros e se reunia no Largo do Tesouro, perto de uma banca-de-jornal e vários bancos. O interesse principal era trocar discos e informações onde conseguir esse ou aquele disco 78 rotações-por-minuto dos anos 20s, 30s, 40s ou 50s. 

Logo passaram a se reunir já no próprio Páteo do Collegio, num cantinho onde hoje é o estacionamento. De lá, foram convidados pelo Frei diretor da Igreja do Pateo para usarem o espaço com mesas e bancos que é uma extensão do café-restaurante do Pateo. O grupo aumentou; muitos já morreram, outros sumiram, mas sempre há alguém que chega a partir das 14:00 horas nas 3as feiras de tarde e fica por ali até 17:00, que é a hora que o café e o espaço fecham. 

Hoje já não se troca discos, mas muitos são emprestados e devolvidos, copiados em fita magnética ou no formato CD. O antigo disco 78 rpm ainda é Rei, pois mede-se a importância de alguém pelo número de 78 rpms que o colecionador possui. Os mais 'pobres' possuem entre 3 mil a 5 mil títulos. Quem possui 25 mil é considerado 'rico'. Há, no entanto, muitos colecionadores de vinil em 33 rotações-por-minuto também e até colecionares de CDs. 

Há advogados, arquitetos, professores, alfaiates, comerciantes, funcionários públicos, sendo a maioria já aposentada. Nunca se perde tempo com banalidades. Além de música, fala-se de cinema, fotografia, esporte e resgata-se a memória da cidade e a memória pessoal. Nunca se discute política ou religião. 

Enquanto espero pela chegada de outros membros do encontro das 3as feiras, me dou conta que estou de frente para o que restou de uma construção de valor histórico: um pedaço de uma parede de taipa-e-pilão da antiga Sede Jesuística, onde 13 frades se estabeleceram para a catequese dos indígenas que viviam à beira do Rio Tamanduateí havendo uma palhoça de 14 pés de comprimento, uma igreja e um seminário. Essa Vila foi abandonada quando os Jesuítas foram expulsos do Brasil por um decreto do Marquês de Pombal em 1759. A propriedade foi confiscada da Igreja e no lugar do templo o Governou construiu um palacete para si, o Pateo do Collégio vira Largo do Palácio com chafariz, coreto e obelisco. Os Jesuítas voltam ao local em meados do século XX, o Palácio é demolido e o lugar volta a ser o Pateo do Collégio, com uma réplica do que teria sido a construção original. 

Vamos apresentar, então, alguns membros da Turma do Pateo... e nada melhor do que começar com seu Vicente, um velhinho miúdo, com seus passinhos arrastados e vivos olhos azuis. Com 88 anos, acho que é o mais velho do pessoal, relembra seus tempos de dançarino. Está sempre procurando algum jovem visitante para contar alguma coisa do seu tempo. 

Paulo Iabutti ((1926-2017), há mais de 15 anos não falta a uma reunião. Com 79 anos, está no grupo há 18 anos. É bastante ativo, possue 7.500 LPs. É bastante eclético e gosta de todo tipo de música, tendo uma certa predileção pelas antigas Big Bands norte-americanas dos 1935-1945. É filho do primeiro casal de japonês com brasileira (filha de portuguêses) na região de São Paulo. Tem muitos livros sobre a história de São Paulo. Nunca esquece o que promete, inclusive balas de café que sempre distribui. 

Seu Alfredo Esper geralmente é um dos primeiros a chegar. Foi alfaiate na Vila Prudente e sempre tem histórias novas para contar sobre os velhos tempos no Ipiranga e adjacência. Fala com desenvoltura sobre carreiras de Francisco Alves (1898-1952), Orlando Silva (1915-1978), Sylvio Caldas (1908-1998). Também é profundo conhecedor do futebol brasileiro e fã do cinema de Hollywood, sendo Ann Sheridan (1915-1967) sua atriz predilecta. Seu Alfredo é o 'rei da memória' tendo na ponta da língua o ano que determinada evento esportivo ou artístico ocorreu. Gosta de tangos argentinos de Carlos Gardel (1890-1935) e Libertad Lamarque (1908-2000), músicas mexicanas e italianas. 

Seu Hugo Giovanelli é o especialista em Carmen Miranda (1909-1955) de quem é fã incondicional. Também foi morador da antiga vila operária Maria Zélia, no Belém. 

Entre tantos homens, existe uma chamada Pérola Prata, pseudônimo de Conceição, uma carioca extrovertida, bonita, charmosa, colorida e muito prestativa. É grande colecionadora de discos, com mais de 5 mil LPs, organizados, com capas restauradas e grande vontade de servir aos que estão a procura de determinada canção ou disco. Gosta particularmente de boleros, mas tem muitos discos de fado também. Durante mais de 5 anos era a única mulher nesse Clube do Bolinha. É a musa do grupo e chegou até ele procurando desesperadamente por um bolero: 'Amorosamente'. Quando a conheci, perguntei, advertidamente a ela: 'Pérola, você tem alguma gravação do 'Adágio de Albinoni'? Na 3a. feira seguinte ela me presenteou com uma fita com 10 gravações diferentes da música. 

Henrique é um apaixonado por música clássica, ópera e semi-clássicos do tipo do maestro russo Andre Kostelanetz (1901-1980). Joaquim também gosta de ópera e música norte-americana dos anos 40s e 50s, já tendo viajado pela Europa e Estados Unidos. 

Seu Nenê é apelido do Alberto Augusto Martins, no grupo práticamente desde o início. Tem uma das maiores discotecas entre eles, com 25 mil 78 rpm, além de 2 mil LPs. Conhecedor profundo de fado, vendeu toda sua coleção de discos portuguêses para uma entidade de Lisboa e recebeu milhares de euros pela transação. Seu Nenê sempre foi um dos mais queridos membros, sempre trazendo rosquinhas frescas que ele compra em uma padaria da Moóca, distribuindo-as generosamente. Seu Hormindo Retamero até compôs uma pequena canção em sua homenagem, que geralmente é cantada em coro pelos presentes. A canzoneta é assim: 'Quem gosta da rosquinha do Nenê sou eu!' sempre terminando com um 'Oba!', o que é sempre motivo de muita risada, pois a double-entendre é óbvia. Seu Nenê é da ala orlandista, aqueles que reverenciam Orlando Silva. E sempre tem uma piada a ser contada a qualquer momento. 

Ademar, Dirce, Vander Loureiro, Sirlei Jardim e eu, Neuza Guerreiro, somos recentes participantes. Chegamos ao Pateo através de um curso sobre Memória para membros da 3a idade e fomos ficando, adotados pelos mais antigos. Gostamos das conversas; não somos colecionadores, mas temos um gosto em comum: o amor por São Paulo e à memória dessa cidade; e a troca de experiências é enriquecedora. Ademar toca trompete e gosta de montar rádios-de-galena nas horas vagas. Dirce é um bom papo. Vander gosta de relembrar o tempo que era integrante dos Beverlys, o primeiro conjunto do-wop negro brasileiro. Sirlei sempre faz coro com outros que gostam de cantar marchinhas de carnaval, valsas e canções antigas. 

Estevam é advogado. Eu o achava meio 'ranzinza', até conhecê-lo melhor. Aí, então, tem muito a dizer.

Máximo (82) mora num prédio que dá para ver do Páteo; no Parque Dom Pedro II. Foi florista de profissão e conta muitas coisas interessantes sobre decoração das igrejas para casamentos nos anos 50s e de como chegou a fazer até 50 bouquets de noiva em um único sábado. 

Toninho Passarinheiro (77), no grupo há mais de 20 anos. Amigo íntimo do ralialista Moraes Sarmento, recebe recados deste, por via rádio, diáriamente. Possui a discografia completa de Orlando Silva em 78 rpm e outros formatos. 

Entre os mais jovens há Thaís Matarazzo, estudante de engenharia no MacKenzie, que pesquisa Aurora Miranda e outras cantoras do rádio. Sempre consegue muita informação para seus trabalhos. Luiz Amorim, recentemente agregado, a ajuda muito. 

Milton Baumgarten com pouco mais de 30 anos frequenta o grupo desde sua adolescência. É fã de Francisco Alves e colecionador sério de 78 rpms. Hoje trouxe uma vitrola à manivela que foi o show da hora. 

Há muitos outros que aparecem com certa frequência ou chegam mais tarde: Américo, Ferretti, Basílio do Ary Barroso... 

from left to right: Alfredo Esper, Beto Abrantes, Toninho Passarinheiro, Carlus Maximus aka Luiz Amorim, Luiz Alberto aka Mazzolinha, N.I. man, Sirlei Jardim, Luigi, Homero, N.I. man, Paulo Iabutti & Alberto Augusto Martins aka Nenê.
Paulo Iabutti e sua irmã Nancy, em uma de suas ultimas fotos.

Paulo Iabutti * 31 May 1926  + 1st January 2017

Pequena homenagem a Paulo Iabutti, que faleceu exatamente na primeira hora de 2017, de um fulminante ataque cardíaco. O corpo foi sepultado no dia 1o. Janeiro 2017, no Cemitério da Vila Mariana. Paulo será muito lembrado por todos durante muito tempo ainda.
Paulo Iabutti's father & mother. 

Salomé Parísio, 88, é homenageada pela Turma do Pateo do Collegio na Vila Maria Zélia.

O show aconteceu no dia 11 Janeiro 2009, às 14 horas, quando a maioria de São Paulo ainda está em férias, mas a Turma do Pateo, não podendo parar nunca, resolveu prestar essa singela homenagem à querida vedette-cantora Salomé Parísio, pernambucana-da-peste, segundo suas próprias palavras muito bem ditas durante o andamento do show da tarde domingueira.

A princípio a gente achava que o show não ia ter muita repercursão justamente devido ao facto da maioria das pessoas estarem ainda em férias-de-verão, mas logo depois de começado, o show tomou vida própria, competentemente capitaneado pelo MC mestre-de-cerimônias Milton Baungartner, que não só escreve o roteiro como faz também papel de humorista, cantor e ritmista, além de oferecer toda infra-estrutura de som, microfones e vários efeitos sonoros, muito bem acessorado por Clau, o contra-regra.

Para dar início ao show domingueiro, Vander Loureiro cantou ‘Morena boca de ouro’, uma favorita perene, e um samba de levantar até alma penada em cemitério decadente. Eu, o cronista, ao pinho e Cristina Costa ao pandeiro... o número saiu perfeito. Afinal a gente já tem tocado-o varias vezes, isso vindo a provar que ensaio bem feito é a base do sucesso de qualquer espetáculo.

Logo em seguida Milton fez uma pequena entrevista com Vander Loureiro, falando sobre os tempos que ele cantava na ‘Peneira Rodini’, velho programa de calouros da dinâmica Radio Cultura. Nenê, que é um gozador em potencial, declarou que o Vander só tinha ‘passado pela peneira do Rodini’ pois ela estava ‘esburacada’... o que eu, particularmente, achei ‘forte’, mas foi visto como gozação por todos, com muitos risos, ah quanta alegria, mais de mil palhaços no salão...

Vander discorreu sobre os primórdios de sua carreira no Radio e TV, falando sobre as peripécias do conjunto vocal The Beverlys, que era uma espécie de ‘The Platters brasileiros’, e do qual ele era um dos crooners, junto com sua mulher Amélia. A entrevista se estendeu por mais tempo do que inicialmente se pretendia, e Milton, logo em seguida apresentou a grande homenageada do dia: Salomé Parísio, que apareceu num estonteante conjunto negro de calça-e-top de um material brilhante; elegantíssima, já tomou o microfone e fez dele seu escravo.

A experiência de palco de Salomé é imensa e ela nunca deixa a peteca cair. Taí algo que se aprendia no antigo teatro-de-revista, também conhecido como ‘teatro-de-rebolado’ ou ‘burlesco’. Salomé começou com ‘Ave Maria’, de Paiva & Redondo, acompanhada pelo violão negro de Gabriel Gonzaga, o ‘Gabriélico Jacomino’ (assim Milton o apresentou), lembrando oportunamente o exímio Américo Jacomino, mais conhecido como Canhoto. A platéia prontamente ecoou o côro de laririrís. Que a grande Dalva seja sempre lembrada por esses nossos imensos Brasís. 

Cantou um ‘Babalú’, de Margarita Lecuona, de dar inveja à Sapoti, que atualmente, além de ter perdido a voz, parece que perdeu o senso de ridículo também, quando interpreta essa bela composição afro-cubana.

Salomé contou sua vida desde os primórdios de Recife e Olinda, quando começou a namorar e a participar de programas de calouros. Com muita picardia e bom-humor, foi relatando toda sua vida, com a platéia participando em forma de perguntas, chistes e intervenções que beiraram à gloza, mas Salomé nunca perdeu as estribeiras, e rebateu a todos com muito humor e carinho.

Drama é o que não falta nesses shows; principalmente antes do dito propriamente começar. Houve algumas penas alvoroçadas quando Toninho, cantor bissexto de saraus e rodas-de-choro, se desentendeu com Cristina Costa, nossa tecladista, pandeirista e show-woman. Toninho não conseguia acertar o tom da musica requisitada, e Cristina, ao teclado, acabou perdendo a paciência (com muita razão). Toninho se acabrunhou e foi se exilar lá fora, num banco da praça da igreja. Eu fui atrás dele para ver se conseguia uma reconciliação, mas quase acabei no ‘rolo’ também. Toninho tinha uma lista de mais de 30 músicas com os respectivos tons anotados do lado, mas não sabia qual cantava. Depois de muita luta conseguimos escolher duas, mas na hora de cantá-las ele já tinha esquecido qual eram. Quase me deu um ‘tróço’...a sorte foi que eu fiquei com uma das listinhas em meu bolso, já antecipando confusão. Toninho cantou ‘Caminhemos’, que tínhamos ensaiado no banco da praça, mas quando chegou na segunda parte de Ultimo desejo’, eu comecei a titubear nos acordes, pois não tínhamos ensaiado. O Romeu se juntou ao Toninho para cantar a musica de Noël, e eu fiquei caçando os acordes, mas eles fugiam de mim. Não sei como conseguimos chegar ao final, sem mortos ou feridos, embora com o orgulho um pouco chamuscado.

Salomé volta com sua rotina burlesca e convida dois representantes do sexo masculino para ajudá-la a cantar o ‘Biatatá’, um côco de H.Tavares e Altavila. As duas vítimas incautas foram o João e Edson, amigos de Milton e Clau. Com amigos assim, quem precisa de inimigos? O resultado final de tal ‘sketch’ é que os homens escolhidos deem um beijo em cada face da vedette e ela, muito sacana, retira seu rosto e faz os dois bicudos se beijarem. Um expediente muito engraçado para os 40s e 50s, mas que já perdeu a validade há pelo menos 4 décadas. Mas vale tudo em nome da arte e da curiosidade de se saber como funcionavam os teatros-de-rebolado da Praça Tiradentes ou mesmo os daqui de São Paulo, Teatro Alumínio, Teatro Natal, Teatro Santana etc.

Cristina Costa, tecladista oficial, apresentou um número de sua autoria, que fez muito sucesso. Uma musica infantil sobre uma zebrinha e um burrinho. Tudo muito engraçadinho e chistoso. A platéia aprendeu o refrão e acabou cantando junto. Nota dez para a Cristina, à Zebrinha e principalmente ao Burrinho.

Por falar em burro, ou ‘vurro’, apareceu o seu Manuel e dona Maria [?], um casal português à antiga, a resolver suas desavenças conjugais em praça pública. O bigodudo Manuel, representado por não menos que Milton, o MC, e a Maria, empunhando seu pau-de-macarrão, protagonizada pela produtora do show, Thaís Matarazzo. Foi muito engraçado e deu-se muita risada. Até a Faixa de Gaza, que atualmente sofre bombardeios criminosos por parte de Israel, foi lembrada pelo Manoel, que não se esqueceu de trazer uma faixa-de-gaze em seu bolso. Muita pataquada, muita buzinha, muito sotáque português e muito deboche. Até cantaram a marcha ‘Não te cases, Beatriz’, no que foram acompanhados pela platéia.

Salomé, que descansava sentadinha num banco ao lado enquanto esses quadros eram apresentados, voltou à toda, apresentando ‘Hava Nagila’, que é musica-chave do folclóre Judáico, e que ela chegou a gravar em 78 rpm. pela Mocambo-Rozemblit, que por coincidência é lá de Recife, sua terra natal.

Um certo alguem, um pouco desinformado, declarou que ‘Hava Nagila’ tinha sido ‘lançada’ por Chubby Checker, cantor negro norte-americano de twist. Ele foi dizer à Salomé que se lembra do lançamento de ‘Hava Nagila’, em 1962, mas Salomé respondeu que já cantava essa música no tempo da II Guerra Mundial. Na verdade, ‘Hava Nagila’ foi composta em 1918.

Daí, Nenê, que é o contador-mór de piadas do Pateo, apresentou seu segmento, contando uma piada um pouco escatológica... mas como tudo que se relaciona a merda faz sucesso... ah, foi um sucesso retumbante. Era a história de um barbeiro que se virava bem. Seu maior sucesso era usar uma bolinha de gude para melhor escanhoamento da barba de seus clientes. Daí o freguês pergunta se nunca algum freguês tinha engolido tal bolinha, o barbeiro diz que muitos já tinham engolido, mas sendo honestos, sempre devolviam a bolinha no dia seguinte, lógicamente após ter passado pelos entestinos grosso e delgado.

Salomé ainda apresentou ‘Bom dia, café’, ‘Exaltação à Bahia’ e Violeteira’, uma marchinha de carnaval composta por ela mesma. Ficou ‘devendo’ algumas musicas do repertório já impresso no programa, mas já passando das 16:00 horas, o show, como na musica do Roberto Carlos, tinha que terminar... vamos voltar a realidade, não precisamos mais usar aquela maquiagem.

Thaís e Milton ainda prestaram-lhe uma pequena homenagem. Milton leu uma carta enviada por um de Salomé, de Portugal, e Thaís entregou-lhe um album de recordações com os votos de admiração por parte dos fãs de Salomé, do Pateo do Collegio.

Todos aplaudiram muito, e daí em diante começaram as várias sessões-de-fotografias. Em épocas digitais as fotos se multiplicaram em progressão geométrica, para deleite dos fotogênicos e horror do resto dos sofredores. Acho que Lupiscinio faria uma boa musica a esse respeito e o Zé Fidélis faria a paródia sub-seqüente.

Luiz Amorim – 12 Janeiro 2009.

2 comments:

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    1. Obrigado pela visita ao blog...é muito bom manter essas memórias, mesmo que a maioria das pessoas aqui retratadas já se foram...

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